Friday, February 23, 2007

Hoyo Hoyo

“Bem Vinda”

A primeira semana em Moçambique, mais propriamente em Maputo foi repleta de descobertas e aprendizagens.
Ao contactar de perto com uma realidade, ao pisar o solo, ao sentir os cheiros, os sabores, o calor, ao ver as cores, as pessoas, todas as ideias que já teria tentado obter acerca da vida daqui ficaram longe porque tudo é diferente das fotografias, dos relatos, das histórias…não é melhor nem é pior…é diferente porque agora sou eu com a minha sensibilidade que crio as ideias, com os meus sonhos e desejos que interpreto e processo tudo o que vou, através dos meus sentidos, adquirindo!

No dia da partida a Florbela, uma Jh que já esteve cá em Moçambique, ofereceu-me um poema com o título:”O pano da Minha Mãe”.

Tu nunca a viste sem o pano porque o pano é parte dela
O pano da minha mãe é o meu pano
Também, quando eu era pequenino
Foi meu berço de menino
Nas costas de minha mãe

É dom de toda a família
É transporte de mobília
É enfeite em casa de pobre
É enfeite em casa de rico

O pano de minha mãe serve de faixa e de saia
Serve de graça a qualquer
E aceita ser emprestada
A qualquer outra mulher

Pode servir de tapete
Ser pisado, ser joguete
Sem se queixar de ninguém

É querido se está doente
Nas festas é um presente
Enxuga a fronte a alguém que chora
E é contente a toda a hora

Faz-se toalha de mesa
Faz-se toalha de rosto
Faz-se toalha de altar
Limpa a baba do menino
Na morte é nossa mortalha

O pano da minha mãe, tudo cabe dentro dele
E nele tudo se agasalha
Quem tem coração generoso,
Jamais o recusou
Quem o louvou algum dia?
Quem dele se recordou?

O pano da minha mãe, é como o seu coração
Nasceu para dizer Sim e da vida faz oração
O pano da minha mãe é para mim uma lição

Li este poema já dentro do avião e cheio muito bonito, mas na verdade, percebi-o poucos dias depois, que a essência do poema ficou muito aquém de ser por mim compreendida!
No segundo dia que estive cá, acompanhei as irmãs à cidade, sim porque moro num bairro numa zona de arredores, e fomos fazer algumas compras para abastecer o Centro de Reabilitação. Como era tudo novidade, andava deliciada a tentar absorver esta nova realidade. Reparei no “Pano da Minha Mãe”, a Capulana. A Capulana é um pano usado em muitos países africanos, mas que em cada país, e até em diferentes regiões do mesmo país é usada de forma diferente e com padrões e tecidos variados. Ora, eu achava que este pano tinha única e exclusivamente a função de saia. Mas comecei a perceber que muitas pessoas usavam as capulanas por cima da restante roupa e também várias vezes vi senhoras a tirar ou a colocar a capulana em volta da cintura. Fiquei curiosa e rapidamente saciei a minha curiosidade porque quando comentei este assunto com a irmã Paulina, ela disse-me prontamente:
“O Sentido da Capulana é o Serviço”
A capulana deve estar sempre pronta a ser tirada para atender a quaisquer necessidade que surja: uma menstruação inesperada - empresta-se; é necessário carregar uma criança às costas – prende-se com a capulana; tem que se transportar alguma coisa e não há sacos – leva-se capulana….
Agora o poema faz todo e tanto sentido…as palavras que o compõem deixaram de ser apenas palavras, agora são completadas por imagens e vivências!
Assim facilmente percebi que a história se vai construindo, aprendendo, completando peça por peça…E é assim peça por peça que quero viver este ano de missão!

3 comments:

Anonymous said...

estamos cá para levares a tua capulana até ao fim da tua missão...

obrigado madrinha

Anonymous said...

Acho o poema muito bonito, mas muito mais rico depois da tua partilha.
És uma pessoa muito especial...

Unknown said...

Em 1995 ouvi este poema dito por um moçambicano! Desde então tenho procurado através de pessoas que lá estiveram, mas nada... lembrei-me agora de vir a net procura-lo, com pouca esperança mas sem querer desistir. Obrigada por o ter deixado aqui escrito. Poderei revê-lo e divulgá-lo. Gena