Comecei há duas semanas a trabalhar no Centro de Reabilitação de adultos e a mudança para lá não foi (interiormente) pacífica… sentia-me muito bem (em casa) no Centro Infantil e foi um pouco complicado adaptar-me e encontrar o meu espaço no Centro de Adultos.
Apesar de já conhecer bem a dinâmica e actividades deste Centro, achei-me um pouco perdida, porque a dinâmica e rotina são totalmente diferentes daquelas a que estava habituada.
Hoje, no fim de duas semanas já sinto que também lá sou útil e que há muita coisa que poderei fazer! Gosto muito dos utentes e sinto que eles gostam de mim!
No entanto, tenho ainda o meu coração e pensamento muito presos às crianças e por isso queria partilhar sobre o que tem sido esta experiência para mim… Antes de seguir aviso apenas que foi tudo tão do campo dos sentimentos que temo que as palavras não ajudem muito… pelo contrário talvez até estorvem… mas vou tentar, porque sinto vontade de partilhar!
Antes de vir para Moçambique o meu contacto com crianças portadoras de deficiência, física o mental era praticamente nulo.
Já tinha feito campos de férias e outras actividades junto de doentes mentais, mas sempre adultos.
Quando cheguei e conheci o centro infantil e as suas crianças fiquei um pouco apreensiva. Não sabia até que ponto seria capaz de interagir com elas, que atitudes eram adequadas… via-as tão frágeis que pensava que qualquer coisinha as poderia ferir.
Não podia ainda imaginar o tesouro escondido nas paredes deste centro, e não fazia ideia de que esse tesouro não me estava interdito, era para mim… e com enorme generosidade foi-me oferecido a mim e a todos aqueles que abrem as janelas do seu coração para o apreciar…
Pouco a pouco… fui conhecendo cada nome por trás de cada rosto e cada pessoa por trás de cada nome. Pouco a pouco… fui aprendendo a conhecer cada um… A cada dia trazia para casa um pedacinho deste tesouro, escondido num sorriso, numa lágrima, num beijinho ou abraço!
Hoje eu conheço tão bem estas crianças que se dão tão simplesmente a quem as quiser amar. Sei o que as faz rir ou chorar, vejo-as para além das patologias que as marcam. Hoje o tesouro já nem é escondido…já nem é do centro…
A diferença é a essência do nosso tesouro.
Os mundos são muitos! Cada ser tem o seu!
As formas de agir são mais ainda!
Se alguns passam o dia com ar sereno, olhar atento e recorrente, reagindo a qualquer gesto de carinho e atenção… outros vivem agitados… outros fechados no seu mundo… Às vezes fico quieta… gosto de observar e imaginar o que se passa no mundo deles. Por vezes, parece que estabelecemos diálogos… conversamos mesmo, conversas sem fim, onde eu os descubro e eles me descobrem a mim… sem palavras… só olhares e sorrisos!
Muitas vezes me emocionei… muitas vezes ri com rizo de criança… muitas vezes me senti pequenina e pobrezinha perante tão grande riqueza!
Apetecia-me falar de cada um sem parar… apetecia-me contar-vos como me divirto e sinto feliz e realizada dando papinha ao Chelton, “tchovando” o Floriano no baloiço, ou jogando à bola com o Lewis…
Não sou mãe… mas sinto-me mãe das minhas “crianças”!
Mas o Centro Infantil acolhe ainda outro tipo de crianças… estas são muito vivas e cheias de energia, são crianças como todas as outras crianças… brincam, correm, falam, fazem birra, batem, choram, cantam, dançam, estudam, fazem teatro… Apenas um vírus as faz frequentar o Centro… um vírus que as obriga a tomar uma medicação diária, dir-se-ia demasiada para crianças tão novas, que ainda ninguém conhece os efeitos secundários… um vírus que lhes limita a esperança de vida… um vírus que elas não contraíram, herdaram! Estas crianças têm Sida e, se por um lado são para mim sinal de esperança, se são testemunho de que a Sida não impede de sorrir, desenvolver e aprender… são, por outro lado, a dor da minha alma… porque sofro ao imaginar que são tão susceptíveis e vulneráveis.
As crianças que chegam ao Centro com Sida vêm sempre desnutridas e demasiado subdesenvolvidas. Já tive oportunidade de ver a Lina o Márcio ou o Feliciano recuperar e desenvolver, mas também já vi crianças que não resistiram ao tratamento porque chegaram já demasiado mal!
Todas estas vivências, aliadas ao facto de a elas ter dedicado este tempo da minha vida, num país tão diferente do meu, com pessoas tão diferentes, fazem-me entender o mundo de uma outra forma! Se por um lado fazemos parte de um mundo global, que importa conhecer e reconhecer na sua diversidade, que se completa pela variedade, por outro lado o nosso pequeno mundo pessoal é tão importante… é ele que estará sempre connosco, para onde quer que vamos!
Sunday, October 21, 2007
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2 comments:
olá marisa!!
sem duvida que deve ser uma experiencia inesquecivel, o que tu tas a viver, e isso dá para ver atraves dos teus testemunhos!!
continua a viver esta missão desta forma tão intensa e bonita!!
beijinhos e abraços! Adoro-te nitinha ;)
fatima
Olá Marisa!
Já estive muitas vezes a ler os teus testemunhos, mas acabo sempre por não comentar pois ficou realmente sem palavras, no mundo inteiro deve haver poucas pessoas como tu.... com um coração tão GRANDE.
Nunca deixes de ser a pessoa que és.
Beijinhos grandes desta tua amiga.
Marcela
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