As crianças crescem, o peso aumenta, as cadeiras de rodas ficam gastas…as mães começam a não ter como as trazer ao centro… Resultado: Ficam em casa.
Se as famílias são grandes ainda têm os irmãos com quem passam e convivem ao longo do dia, mesmo que fiquem mal alimentadas ou com menos higiene, ficam acompanhadas!
Mas, quando as famílias são pequenas e não irmãos, nem tios, nem avós…As mães têm que sair de manhã bem cedinho para trabalhar e as crianças estão condenadas a ficar em casa durante todo o dia, tendo como única companhia, um velho aparelho de rádio, que só funciona quando há meticais para comprar energia!
Conheço alguns casos assim aqui na vizinhança do centro.
O Bairro onde vivo, as Mahotas fica mesmo às portas de Maputo, a capital de Moçambique, no entanto, tirando uma estrada que já teve um dia alcatrão e hoje não é uma estrada com buracos, é uma buraco com vestígios de alcatrão, todas as outras ruas do bairro são de areia. Ora, não sei se já andaram de bicicleta na areia, ou tentaram empurrar uma cadeira de rodas nestas condições…? As rodas não giram, têm ser arrastadas, o esforço necessário para transportar um doente nestas condições triplica e as cadeiras ficam completamente desgastadas!
Nesta situação, quando as crianças crescem torna-se insuportável para as mães trazê-las ao centro e elas acabam por ter alta, e como não há alternativas, a esta situação, ficam em casa.
A Dércia está nesta situação (na verdade já nem é uma criança porque já tem cerca de 20 anos), é uma menina doente, tem paralisia cerebral, consegue movimentar-se só gatinhando e não tem coordenação motora… mas é muito inteligente, bonita, simpática e adora visitas. A mamã dela, a Carlota, é também doente e vive sozinha com esta filha. Para poder sustentar a casa precisa de trabalhar… Para não ser assaltada, precisa de trancar a porta de casa… E como não há mais ninguém em casa, a Dércia passa o dia inteiro sozinha, sentada numa esteira alimentando-se como é capaz…
Quando entro na pequenina e arranjadinha casa da Carlota e vejo a Dércia naquela esteira à entrada da porta, com um sorriso contagiante e uma alegria impressionante, fico completamente desarmada! Se por um lado, não consigo evitar sentir uma grande tristeza e revolta… por outro todas as minhas certezas anteriores começam a relativizar-se!
Penso: “Esta situação não é aceitável?!” “O que fazer para a ajudar?”
É que como já disse, estrada transitável por automóveis não há, mesmo fazendo um esforço extra para ela vir ao centro, ela já não é criança para frequentar o Centro Infantil e o Centro de Adultos não está preparado para receber utentes tão dependentes! Outras soluções?!
Em Maputo só existe um Hospital Psiquiátrico e eu já lá estive e já o vi e tenho a convicção que qualquer pessoa é mais feliz em sua casa, mesmo que só esteja acompanhada escassas horas por dia, do que num lugar como aquele!
Apesar de tudo a Dércia tem uma mamã que a adora, que lhe fala com carinho, que a faz sorrir! Ela frequentou durante alguns anos o Centro Infantil onde certamente aprendeu a estender aquele sorriso tão bonito, a comunicar através dele e através de gestos!
Pena parar este processo de reabilitação.
Mas… quantas Dércias haverá aqui nas Mahotas? Quantas que se calhar nunca foram tratadas como seres humanos? Quantas que foram abandonadas à nascença?! Quantas…?
Thursday, December 20, 2007
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